sexta-feira, 28 de março de 2008

Eu quero o meu sertão de volta!

Por Anselmo Alves
j.anselmoalves@hotmail.com

Nos últimos dez anos tenho viajado freqüentemente pelo sertão de Pernambuco, e assistido, não sem revolta, a um processo cruel de desconstrução da cultura sertaneja com a conivência da maioria das prefeituras e rádios do interior. Em todos os espaços de convivência, praças, bares, e na quase maioria dos shows, o que se escuta é música de péssima qualidade que, não raro, desqualifica e coisifica a mulher e embrutece o homem.

O que adianta as campanhas bem intencionadas do governo federal contra o alcoolismo e a prostituição infantil, quando a população canta “beber, cair e levantar”, ou “dinheiro na mão e calcinha no chão” ? O que adianta o governo estadual criar novas delegacias da mulher se elas próprias também cantam e rebolam ao som de letras que incitam à violência sexual? O que dizer de homens que se divertem cantando “vou soltar uma bomba no cabaré e vai ser pedaço de puta pra todo lado” ? Será que são esses trogloditas que chegam em casa, depois de beber, cair e levantar, e surram suas mulheres e abusam de suas filhas e enteadas? Por onde andam as mulheres que fizeram o movimento feminista, tão atuante nos anos 70 e 80, que não reagem contra essa onda musical grosseira e violenta? Se fazem alguma coisa, tem sido de forma muito discreta, pois leio os três jornais de maior circulação no estado todos os dias, e nada encontro que questione tamanha barbárie. E boa parte dos meios de comunicação são coniventes, pois existe muito dinheiro e interesses envolvidos na disseminação dessas músicas de baixa qualidade.

E não pensem que essa avalanche de mediocridade atinge apenas os menos favorecidos da base de nossa pirâmide social, e com menor grau de instrução escolar. Cansei de ver (e ouvir) jovens que estacionam onde bem entendem, escancaram a mala de seus carros exibindo, como pavões emplumados, seus moderníssimos equipamentos de som e vídeo na execução exageradamente alta dos cds e dvds dessas bandas que se dizem de forró eletrônico. O que fazem os promotores de justiça, juízes, delegados que não coíbem, dentro de suas áreas de atuação, esses abusos?

Quando Luiz Gonzaga e seus grandes parceiros, Humberto Teixeira e Zé Dantas criaram o forró, não imaginavam que depois de suas mortes essas bandas que hoje se multiplicam pelo Brasil praticassem um estelionato poético ao usarem o nome forró para a música que fazem. O que esses conjuntos musicais praticam não é forro! O forró é inspirado na matriz poética do sertanejo; eles se inspiram numa matriz sexual chula! O forró é uma dança alegre e sensual; eles exibem uma coreografia explicitamente sexual! O forró é um gênero musical que agrega vários ritmos como o xote, o baião, o xaxado; eles criaram uma única pancada musical que, em absoluto, não corresponde aos ritmos do forró! E se apresentam como bandas de “forró eletrônico”! Na verdade, Elba Ramalho e o próprio Gonzaga já faziam o verdadeiro forró eletrônico, de qualidade, nos anos 80.

Em contrapartida, o movimento do forró pé-de-serra deixa a desejar na produção de um forró de qualidade. Na maioria das vezes as letras são pouco criativas; tornaram-se reféns de uma mesma temática! Os arranjos executados são parecidos! Pouco se pesquisa no valioso e grande arquivo gonzaguiano. A qualidade técnica e visual da maioria dos cds e dvds também deixa a desejar, e falta uma produção mais cuidadosa para as apresentações em geral.

Da dança da garrafa de Carla Perez até os dias de hoje formou-se uma geração que se acostumou com o lixo musical! Não, meus amigos: não é conservadorismo, nem saudosismo! Mas não é possível o novo sem os alicerces do velho! Que o digam Chico Science e o Cordel do Fogo Encantado que, inspirados nas nossas matrizes musicais, criaram um novo som para o mundo! Não é possível qualidade de vida plena com mediocridade cultural, intolerância, incitamento à violência sexual e ao alcoolismo!

Mas, felizmente, há exemplos que podem ser seguidos. A Prefeitura do Recife tem conseguindo realizar um São João e outras festas de nosso calendário cultural com uma boa curadoria musical e retorno excelente de público. A Fundarpe tem demonstrado a mesma boa vontade ao priorizar projetos de qualidade e relevância cultural.

Escrevendo essas linhas, recordo minha infância em Serra Talhada, ouvindo o maestro Moacir Santos e meu querido tio Edésio em seus encontros musicais, cada um com o seu sax, em verdadeiros diálogos poéticos! Hoje são estrelas no céu do Pajeú das Flores! Eu quero o meu sertão de volta!


Anselmo Alves é produtor cultural

quarta-feira, 26 de março de 2008

Fumantes ou não

Por Irma Brown
irmaventilador@gmail.com

Boêmios da capital pernambucana foram surpreendidos em fevereiro com a proibição de fumar em bares, restaurantes, boates e outros estabelecimentos do gênero, independente de fechados ou abertos. A lei 9.294 é de 1996, mas só agora foi implantada pela Prefeitura do Recife, proibindo não só o uso como a propaganda de derivados do tabaco em recinto coletivo, privado ou público.

Analisando mais profundamente a lei, parece que estamos regredindo, perdendo o nosso direito de cidadão. Que o cigarro faz mal à saúde, é fato. Mas se isso é justificativa, então vamos proibir o álcool, a batata frita, a coca-cola... e assim por diante. Argumenta-se também que os chamados “fumantes passivos” são os que mais sofrem, por inalarem a fumaça mesmo contra vontade. A simples solução de divisão do ambiente, ou mesmo restrição aos fumantes em alguns estabelecimentos, resolveria o problema, devendo assim ser opcional.

Com a lei não só o cliente fumante sai perdendo, mas os amigos dos fumantes, os donos de bares e restaurantes e o cidadão comum, que perde sua liberdade de direito de escolha. Vale lembrar também que para manter um estabelecimento comercial aberto, se paga funcionários, aluguel, impostos. Há uma diferença aqui entre o público e o privado que precisa ser levada em consideração.

O dono do estabelecimento, portanto, é quem deveria escolher que tipo de cliente gostaria de atender: fumantes, não fumantes ou ambos. E nós, cidadãos comuns, decidimos que lugar freqüentar. Se há fumantes demais, que se invista então em educação, campanhas de conscientização e outras estratégias para descriminalizar o fumo.

Isso lembra também a questão da maconha, um fumo que poderia ser administrado pelo governo, mas que permanece ilegal, ainda, por fatores econômicos e/ou por ignorância. Mas isso já é outra história...

Irma Brown é arte educadora e integrante do Ventilador Cultural

segunda-feira, 24 de março de 2008

domingo, 9 de março de 2008

Mulher Sertaneja

Por Luciana Rabelo
luciana.rabelo@gmail.com

No dia 8 de março de 1857, dezenas de mulheres foram carbonizadas por reivindicarem seus direitos. Na mesma data, sendo o ano 1906, nascia Joana Luiza de Jesus, minha vó, mãe de meu pai, a quem chamávamos de vovó-papai. Apesar de não gostar dessa marcação de tempo ‘gregoriana’, acho bastante simbólico este dia ser lembrado como o Dia Internacional da Mulher, pois pra mim esta data realmente representa a mulher, guerreira por essência.

Este ano faz 102 anos que ela apareceu por aqui. Mulher raçuda, negra, filha do Sertão pernambucano, Joana Luiza de Jesus aos 24 anos engravidou após um namoro com meu avô. Digo após UM namoro porque, pelo que sei, eles se conheceram numa festa em Santa Maria (Tupanaci) – vilarejo pertencente hoje ao município de Mirandiba, onde ela morou desde moça – e ela engravidou. Não sei da vida amorosa dela, o que muito lamento neste momento, pois há dez anos ela se foi pro lugar misterioso e eu nunca conversei com ela sobre esse assunto. O que sei mesmo é que ela é realmente o símbolo da mulher guerreira. Enfrentou todos os preconceitos, lá pelo início da década de 30, num pequeno povoado à beira do rio Pajeú. Para sustentar meu pai ela, analfabeta e cheia de sabedoria, lavou muita roupa nas águas pajeuzeiras. Nunca deixou faltar nada ao menino Zé de Joana.

Apesar de eu sempre ter morado longe dela, sempre a via nas férias. Às vezes (muito poucas) ela vinha estar conosco na capital, e outras (mais freqüentes) íamos a Santa Maria vivê-la. Uma das coisas que muito me admirava quando chegávamos lá era o rio. Isso porque para chegar à vila, tínhamos que atravessar o Pajeú. Quando ele estava seco, o carro passava. Às vezes estava com pouca água e dava pra passar, mas lembro que eu ficava com medo vendo o carro ‘nadar’. Quando o rio tava cheio, tínhamos que deixar o carro do lado de cá e atravessar andando, com as coisas na cabeça. E era muita bagagem, porque sempre minha mãe levava muitas roupas para dar, além de brinquedos, balas, biscoitos. Aventura boa!

O que mais tinha por lá era criança. E eu pequena passava o tempo todo a brincar com meu povo. Era outra realidade. Eu menina da cidade, sempre tendo morado em prédios, vida classe média, lá encontrava o mundo natural. Nós, quando chegávamos, éramos a atração do povoado. Os jovens logo corriam pra procurar meus irmãos mais velhos. As crianças vinham a mim e a minha irmã. E os senhores e senhoras iam depressa rever mainha e painho. Minha vó era só alegria.

Pois é, às margens do Pajeú, escondido no Sertão pernambucano, existe um dos lugares mais lindos que já vi. Onde ninguém imagina que haja vida humana, tá lá, um monte de criança, velhos e jovens ardendo no sol quente, nadando no rio, tangendo gado, comendo bode e galinha, ‘tomando umas’ nos dois ou três botecos, sentando na praça, indo à igreja, vivendo a Natureza.

A casa da minha vó é daquelas que tem uma portinha de madeira dividida no meio, onde só a parte de baixo fica fechada pros bodes, cachorros, gatos, galinhas não entrarem. Na calçada, cadeiras de balanço, daquelas de tiras de plástico e que balançam mesmo. Eu até às vezes tinha um certo medo de virar pra trás de tanto que a cadeira emborcava. A água para beber tirávamos com um caneco de alumínio de dentro de grandes potes de barro. A comida, temperada com muito coloral, era feita num fogão de barro. Se não me engano era a única casa que tinha banheiro, pois meu pai havia mandado dinheiro para construir. Lembro muito também do papagaio. Era bem falante e morria de ciúme da minha vó. Meu pai conta que ganhou ele quando era moço. Então, nesta época, o papagaio já era ‘meio veínho’. Ele falava: ‘Joana’ e ‘ô de casa?’.

A gente sempre ia pra lá na festa da padroeira, Nossa Senhora da Conceição. Era um festão. Vinha gente das vilas e municípios vizinhos, Serra Talhada, Floresta...Uma das atrações - fora a missa e a procissão – era o leilão que ocorria na frente da igreja. Leiloava-se de tudo, manteiga, ovo, cachaça, galinha...Eu ficava assistindo o leilão inteiro. Tinha também um bingo. Uma vez, quando eu já era adolescente, eu ganhei o prêmio máximo: um bode. Eu não quis nem ver o bode, porque logo que eu o ganhei acertaram de comer uma buchada no dia seguinte. Fiquei morrendo de pena e preferi não conhecê-lo, nem comê-lo. Se fosse hoje em dia não deixaria matá-lo não.

Quando chegava o momento de minha mãe distribuir os doces e brinquedos era fantástico. Eu logo me escalava pra entregar as sacolinhas para as crianças. Era linda a alegria delas. Uma fila imensa se formava em frente à casa da minha vó. Não sei de onde surgia tanta criança. Todas saíam satisfeitas.

Relembro claramente uma vez que fomos pra lá no feriado da Páscoa e presenciei uma brincadeira, que era ‘malhar o Judas’. Eu era pequena e não entendia. Tinha muito medo. Só via homens correndo atrás de outros homens com um boneco e achava tudo muito violento. Mesmo as pessoas me falando que era brincadeira, não achava que fosse. Não gostava.

O momento triste da nossa viagem era, exatamente, na hora da despedida. A gente se ia, com um nó na goela e no peito, e ela ficava em pé na calçada chorando.

Hoje entendo muito bem porque minha vó nunca quis sair de lá, mesmo quando estava doente. Vivia humildemente, mas com verdade, com naturalidade, pisando na terra, fumando seu cachimbo, abençoando as centenas de afilhados, se balançando na cadeira na calçada em frente de casa.

Sempre que a gente tomava a benção a ela, ela dizia: Deus te dê fortuna! E temos recebido realmente muita Fortuna ao longo dessa vida. Ela se foi tendo o maior sonho da vida dela realizado: ver o filho vencedor nesse mundo de tantas contradições.

Luciana Rabelo é jornalista, poeta, educadora e integrante do Ventilador Cultural

terça-feira, 4 de março de 2008

Dia Internacional da Mulher

Por Fabiana Jansen (Coletivo Mulher Vida)

Mais do que receber flores, para o movimento social o Dia Internacional da Mulher é um dia de luta contra a violência doméstica, sexual e sexista, e de protestos e reivindicações pela garantia de direitos da mulher. É com esse espírito que o Coletivo Mulher Vida realiza em Olinda, no dia 7 de Março, uma passeata cujo mote é “Violência Doméstica Contra a Mulher: A Saúde Deve Meter a Colher”. A concentração será às 8h na Praça do Fortim, e a saída às 9h pela Av. Getúlio Vargas, rumo ao Banco do Brasil, no Bairro Novo.

O evento, realizado em parceria com a Prefeitura Municipal de Olinda, Programa Bolsa Família, Nupav, Programa Municipal de DST/Aids de Olinda, Secretária da Saúde da Mulher de Olinda, Olinda Jovem e Fórum de Mulheres de Pernambuco, visa chamar a atenção da sociedade para alguns fatores que contribuem para a perpetuação da violência doméstica contra a mulher. A falta de notificação desse fenômeno pelos profissionais de saúde é um desses fatores, além do aumento dos casos de DST/Aids entre mulheres, tendo como uma das causas a violência doméstica. A passeata também ressalta a importância da realização de capacitações aos profissionais de saúde, que muitas vezes por medo, falta de informação ou entendimento do fenômeno não investigam a violência e nem a notificam.

A Passeata pelo Dia Internacional da Mulher pretende reunir centenas de pessoas, entre elas adolescentes, jovens, mulheres, educadores e educadoras que munidos de panfletos, faixas e carro-de-som realizarão um protesto pacífico que terminará numa grande roda em frente ao Banco do Brasil, visando parar por alguns momentos o trânsito da cidade. Essa iniciativa busca sensibilizar as pessoas mostrando que o problema da violência doméstica não diz respeito apenas às mulheres ou aos movimentos sociais e muito menos que tem que ser resolvido apenas no âmbito privado, pelo contrário, é uma questão de Saúde Pública que envolve todos os setores da sociedade.

Serviço:
Evento: PASSEATA PELO DIA INTERNACIONAL DA MULHER
Tema: “Violência Doméstica Contra a Mulher: A Saúde Deve Meter a Colher”
Data: 07 de MARÇO – sexta-feira
Concentração: 8h, na Praça do Fortim, em Olinda
Saída: 9h, pela Av. Getúlio Vargas, rumo ao Banco do Brasil, no Bairro Novo
Informações: 3431.1196 / 3432.3265